Estranhos pela rua

 Tenho um velho hábito de me encantar pelas pessoas, me render a observá-las por diversos ângulos. Enquanto caminho pelas ruas, vou admirando cada detalhe que as fazem diferente, únicas e provavelmente indecifráveis. Muitas vezes já cheguei à pensar em pará-las, perguntar sobre o que as aflige ou o que as deixam contentes, mas nunca o fiz, tenho um certo receio, medo. Ao mesmo instante em que quero mergulhar nos olhos da alma de cada uma delas, quero fugir por medo do que posso encontrar lá dentro, bem no fundo. Talvez este seja o meu obstáculo, o motivo pelo qual nunca fiz alguma loucura.

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Prefiro acreditar que cada pessoa leva com sigo um cadeado extremamente secreto, daqueles que somente podem ser abertos com a ajuda de um bom detetive, ou, no caso, uma chave. Parece um tanto bobo pensar assim, mas já imaginou desvendar cada pedaço de alguém? Reconhecer os temores e amores, as feridas e cicatrizes. Queria ter uma chave dessas, sairia em busca de alguém que se deixasse ser transparente e que me desse a oportunidade de visualizar por completo seu interior. Revirar os espaços vazios e quem sabe poder preenchê-los. Quem me dera ter o mundo em mãos.

Em um dia desses, encontrei um estranho qualquer segurando uma caixa de madeira, talvez guardara algo valioso, ou usasse somente como um enfeite. Na verdade, eu estava enganada. O pobre homem, que após o ocorrido não me parecia tão pobre assim, caminhara até a praça central e abriste a caixa. Incontáveis pombas brancas saíra da caixa e voaste à céu aberto. Acredito que nunca irei compreender o que há na mente das pessoas, ou no coração. Sinto que estou contra o vento, tentando entender coisas incompreensíveis e me sentido desorientada em meio a uma conclusão banal. Mas mesmo assim ainda gosto de admirar as pessoas caminhando e cantarolando, como se não possuísse problemas. Gosto dos que sentam no banco da praça, contando histórias jamais imaginadas para crianças que por ali passam. 

Desde pequena, sempre ouvi falar que era inconveniente ficar olhando para os outros diretamente, então aprendi a ser discreta, pois nunca ninguém me disse que era proibido observar. Assim, seguindo esta minha habilidade não tão rara, comecei a prestar atenção em cada um que encontro no caminho. Para mim não são estranhos tão estranhos assim. Estranhos que cumprimentam à mim e uns aos outros por educação, ou que me olham com desprezo como quem diz que eu deveria cuidar da minha vida. Mal sabem que estou cuidando, muitas vezes espontâneamente, mas cuido. Não os admiro por curiosidade ou por intuitos baratos, mas sim pelo que levam, pela maneira como caminham, como soltam as palavras. Os admiro por amor.

Em um dia qualquer ainda me atrevo a parar alguém na rua, não dizer uma só palavra, fixar meu olhar naquele indivíduo que o faça desviar. Que o faça ser natural, espontâneo. Muitos podem pensar que estou louca, fora de si, pois ninguém em sã consciência uma coisa destas. Sinceramente eu não faria, não neste mundo. Me realizo ao gravar rostos em minha mente, e criar histórias fictícias, gosto de imaginar coisas talvez impossíveis de acontecer, gosto da fantasia. Possivelmente ainda tenho uma lista repleta de possibilidades, o que me leva a concluir que jamais deixarei de contemplar os estranhos na rua. Eles me olham de volta, criam um quadro sobre mim. De certa forma, eu os assombro.

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